O que é o fenômeno 'Terra estufa' e por que estamos caminhando para ele,
segundo novo estudo.
(Artigo produzido por Matt McGrath para - BBC News - Londres)
Pode parecer o nome de um filme B de ficção científica, mas cientistas
diz que estamos perto de viver na "Terra Estufa".
Pesquisadores dizem que podemos estar
próximos a entrar num patamar que nos levará a viver em meio a
temperaturas cada vez mais altas e com um nível do mar cada vez
mais elevado nos próximos séculos.
Mesmo que os países consigam atingir suas metas de redução de emissão de
carbono, ainda assim podemos estar em um "caminho sem volta".
O que é exatamente o
fenômeno 'Terra Estufa'?
As atuais ondas de
calor na Europa estão ligadas a esse cenário?
Mas não sabíamos
desses riscos antes?
Há alguma boa notícia
nisso tudo?
O que dizem os outros
cientistas?
O estudo, publicado no periódico da Academia Nacional de
Ciências dos Estados Unidos, mostra que isso pode ocorrer caso a temperatura
global suba 2ºC acima dos níveis pré-industriais.
Os cientistas envolvidos no trabalho dizem que o aquecimento ocorrido
até agora e o que deve provavelmente ocorrer nas próximas décadas podem mudar
radicalmente algumas das forças naturais da Terra que hoje nos protegem e
transformá-las em nossas inimigas.
·
A cada ano, as florestas, oceanos e terra do planeta absorvem cerca de
4,5 bilhões de toneladas de carbono que iriam parar na atmosfera e elevariam a
temperatura do planeta. Mas, conforme o mundo se aquece, essas "esponjas" que absorvem
carbono podem se tornar fontes de emissão de CO2 e piorar significativamente os
problemas do aquecimento global.
Seja o gelo permanente das regiões ao norte do planeta, que guarda
milhões de toneladas de gases causadores do efeito estufa, ou a Floresta
Amazônica, há o receio de que, conforme nos aproximamos de um patamar de 2ºC
acima dos níveis pré-industriais, serão maiores as chances de que esses aliados
naturais liberem mais carbono do que hoje absorvem.
Em 2015, governos de todo o mundo se comprometeram em manter a elevação
das temperaturas abaixo dos 2ºC - e a trabalhar para manter isso abaixo de
1,5ºC. Mas segundo os autores do estudo, os planos atuais de cortar emissões
podem não ser suficientes, caso suas análises estejam corretas.
"O que estamos vendo é que, ao atingir um aquecimento de 2ºC,
podemos chegar a um ponto em que o controle desse mecanismo ficará inteiramente
nas mãos do planeta em si", diz à BBC News Johan Rockström, coautor do
estudo e pesquisador do instituto de pesquisas Stockholm Resilience Centre, na
Suécia.
"Nós estamos no controle agora, mas, se ultrapassarmos os 2ºC,
veremos o sistema da Terra deixar de ser um amigo para se tornar um inimigo -
colocaremos nosso destino nas mãos de um sistema planetário que está começando
a se desequilibrar."
Atualmente, as
temperaturas globais já aumentaram 1ºC acima dos níveis pré-industriais e estão
subindo cerca de 0,17ºC a cada década.
No estudo, os autores
analisaram dez sistemas naturais, que eles chamam de "processos de
feedback".
Hoje, esses sistemas
ajudam a humanidade a evitar os piores impactos das emissões de carbono e o
aumento de temperatura e incluem florestas, o gelo do mar do Ártico, hidratos
de metano e o fundo do oceano.
A preocupação é que,
se um desses sistemas cruzar um limiar e começar a emitir grandes quantidades
de CO2 na atmosfera, os outros podem passar a fazer o mesmo como em uma fileira
de dominós.
Em poucas palavras,
não é nada bom.
De acordo com a
pesquisa, a entrada no período de "Terra Estufa" levaria à
temperatura global mais alta já enfrentada pelo planeta nos últimos 1,2 milhão
de anos.
O clima poderia se
estabilizar com uma temperatura de 4ºC a 5ºC acima dos níveis pré-industriais.
Graças ao derretimento de gelo, os mares podem se elevar de 10 a 60 metros
acima dos níveis de hoje.
Isso significaria que
partes da Terra ficariam inabitáveis. Os impactos seriam "massivos,
algumas vezes abruptos e com certeza preocupantes", dizem os autores.
O único lado positivo,
se é que se pode dizer isso, é que os piores efeitos não seriam sentidos por um
século ou dois. Por outro lado, não seria possível fazer nada quanto a isso,
uma vez iniciado o processo.
Os autores afirmam que
os eventos climáticos extremos que vemos hoje no mundo não podem ser associados
diretamente ao risco de ultrapassarmos o patamar de 2ºC.
Mas eles argumentam
que isso pode ser uma evidência de que a Terra é mais sensível ao aquecimento
do que se pensava antes.
"Devemos aprender
com esses eventos e considerá-los uma evidência de como temos de ser mais
cautelosos", disse Rockström.
"Isso indica que,
se algo assim pode ocorrer com uma elevação de 1ºC, não deveríamos ficar
surpresos ou desconsiderar conclusões de que coisas assim podem ocorrer de forma
mais abrupta do que imaginávamos."
O que os autores do
estudo afirmam é que, até agora, subestimamos o poder e a sensibilidade de
sistemas naturais.
As pessoas pensavam
que as mudanças climáticas se tornariam uma emergência global com elevações de
3ºC a 4ºC até o fim deste século.
Mas a pesquisa aponta
que, acima de 2ºC, há um risco significativo de vermos mudanças drásticas em
sistemas naturais que hoje mantêm as temperaturas mais baixas e se
transformariam em grandes fontes de carbono que nos colocariam em um
"caminho irreversível" rumo a um mundo de 4ºC a 5ºC mais quente do
que antes de 1850.
Surpreendentemente,
sim! Podemos evitar esse cenário, mas isso exigirá um enorme reajuste na nossa
relação com o planeta.
"Mudanças
climáticas e outras que ocorram no planeta mostram que nós humanos estamos
impactando o sistema da Terra a nível global. Isso significa que, como uma
comunidade global, podemos mudar nosso relacionamento com o planeta para
influenciar as condições do planeta no futuro", diz a coautora do estudo
Katherine Richardson, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca.
"Esse estudo
identifica alguns fatores que podem ser usados para isso."
Então, não apenas
precisaremos parar de usar combustíveis fósseis até o meio desse século como
vamos precisar plantar muitas árvores, proteger florestas, pensar em como
bloquear raios solares e criar máquinas para retirar carbono do ar.
Os autores afirmam que
uma reorientação total de valores humanos, comportamento e tecnologia é
necessária. Todos teremos de nos transformar em protetores da Terra.
Alguns afirmam que os
autores desse estudo são muito extremistas. Outros afirmam que suas conclusões
são perfeitamente válidas.
"Como resultado
do impacto humano sobre o clima, a nova pesquisa argumenta que estamos além de
qualquer chance da Terra se resfriar 'por conta própria'", diz Phil
Williamson, da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.
"Juntos, esses efeitos
podem acrescentar mais meio grau ao aquecimento até o fim do século, pelo qual
seríamos diretamente responsáveis, e, assim, cruzaríamos um limiar em torno de
2ºC, fazendo com que ocorressem mudanças irreversíveis ao planeta."
Outros se preocupam
com a fé dos autores de que a humanidade será capaz de entender a gravidade do
problema.
"Dadas as
evidências na história da humanidade, parece ser uma esperança ingênua",
diz Chris Rapley, da University College London, no Reino Unido.
"Em uma época de
populismo de direita generalizado, junto com a rejeição das mensagens que
partem das chamadas 'elites cosmopolitas' e a negação das mudanças climáticas
como uma questão séria, a probabilidade de que a combinação de fatores
necessária para que a humanidade leve o planeta rumo a um 'estado
intermediário' aceitável é próxima de zero."
(Matt McGrath -BBC News).