1 de maio de 2010

Usinas Nucleares no Nordeste

Quatro Estados do Nordeste disputam receber usinas nucleares

Os governadores de quatro Estados – Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas – já manifestaram ao governo o firme interesse em receber as quatro usinas nucleares que serão construídas pela União nos próximos anos. Cada usina é estimada em cerca de R$ 10 bilhões e produzirá 1.000 megawatts (MW). Duas deverão ser instaladas no Nordeste e duas no Sudeste. Para viabilizar os investimentos, o governo pretende propor ao Congresso mudanças na legislação para permitir que o setor privado tenha participação minoritária nos projetos, com limite de até 49%. A reportagem é de Cristiano Romero, Daniel Rittner e Sérgio Leo e publicada pelo jornal Valor Econômico, 15-01-2009.

O ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, afirmou que pretende definir, ainda em sua gestão no ministério, a localização exata das usinas, que devem começar a ser construídas em 2012, às vésperas da conclusão das obras da usina de Angra 3. “Hoje não há mais temor em relação ao funcionamento de usinas nucleares. Já está mais do que comprovado que o monitoramento dos rejeitos é seguro”, disse.

Dos quatro Estados interessados, dois – Pernambuco e Bahia – propuseram o conceito de “central nuclear”. Por esse conceito, a central do Nordeste teria duas usinas, uma ao lado da outra, nas margens do Rio São Francisco, na região do sertão. O rio faz a divisa entre os dois Estados. Como as usinas não podem ser construídas em margens distintas, os dois governadores – Eduardo Campos (PSB), de Pernambuco, e Jaques Wagner (PT), da Bahia – estão dispostos a aprovar, em em seus Estados, legislação para autorizar um “deslocamento” da divisa.

Essa seria uma forma de evitar uma disputa política pela instalação das usinas. “Trata-se de uma proposta inovadora. Um dos dois Estados cederia ao outro uma área para a construção da usina”, elogiou o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, observando que, nesse caso, o custo de construção das usinas poderia ficar abaixo de R$ 10 bilhões.

A idéia de Eduardo Campos e Jaques Wagner é construir as usinas na região conhecida como “Polígono da Maconha”, uma área carente dos Estados de Pernambuco e Bahia, onde impera a produção e o tráfico daquela droga. “O investimento nas usinas ajudaria ainda a enfrentar o problema social daquela área”, comentou Rezende.

A Eletronuclear espera iniciar em março os estudos para a localização das usinas nucleares no Nordeste. Aguarda a transferência de recursos levantados com a RGR, encargo cobrado nas contas de luz e administrado pela Eletrobrás. Os estudos custarão R$ 10 milhões e têm duração de até 20 meses. Mas, já no segundo semestre deste ano, haverá uma relação inicial de 15 a 20 locais candidatos a abrigar as usinas.

Os técnicos da Eletronuclear têm preferência por um local no litoral nordestino, na faixa entre Salvador e Recife. Vêem dificuldades na instalação de uma central nuclear no São Francisco. Além do temor de controvérsia política, como no projeto de transposição do rio, há uma preocupação de ordem ambiental. As usinas nucleares têm vida útil de 60 anos e requerem grande volume de água para resfriamento do reator. Com as mudanças climáticas nas próximas décadas, espera-se uma redução na vazão dos rios de forma geral. Por isso, há uma inclinação dos técnicos pela instalação no litoral.

A Eletronuclear não vê problemas em erguer as usinas perto do mar, mesmo com a provável elevação do nível das águas, com o aquecimento global. A central de Angra, por exemplo, está a mais de cinco metros acima do mar e nada impede que diques afastem ainda mais os riscos de invasão das águas. No Sudeste, onde os estudos devem demorar um pouco mais para começar, a tendência é pela escolha de um local entre o Espírito Santo e o Rio. O litoral paulista já tem ampla ocupação humana – onde ainda há espaço, existem reservas ambientais. A secretária de Energia de São Paulo, Dilma Pena, é radicalmente contra a instalação de usinas nucleares no Alto Tietê.

O tempo de construção previsto para cada usina nuclear é de cinco anos. Cada unidade produzirá 1.000 MW – hoje, o país produz cerca de 100 mil MW. Angra 1 tem potência de 650 MW e Angra 2 gera 1.350 MW – mesma capacidade de Angra 3, que o governo Lula decidiu retomar há dois anos, ao mesmo tempo em que determinou às áreas técnicas acelerar os estudos para a construção de mais usinas. Os nove grupos de trabalho criados pelo Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, instituído para subsidiar as decisões do presidente Lula, têm até meados deste ano para concluir suas propostas.

Já tramitam no Congresso pelo menos três Projetos de Emenda Constitucional, de parlamentares do DEM e do PSDB, retirando o monopólio estatal sobre a energia nuclear. O presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Guilherme Camargo, que reúne técnicos e pesquisadores do setor, comenta que a associação é favorável à entrada do setor privado na geração nuclear, mas defende que essa entrada se dê por meio de Sociedades de Propósito específicos formadas pela Nuclebrás, com sócios privados minoritários. Ele afirma que a formação dessas SPEs não exigiria mudanças na Constituição.

Camargo diz, ainda, que o recém-firmado acordo de cooperação na área nuclear entre Brasil e França indica a existência de alternativas de financiamento às obras, como instituições financeiras francesas. “Esse modelo defendido pelo ministro ainda não parece consensual no governo”, desconfia o pesquisador. O governo já garantirá uma grande avanço se cumprir a promessa de concluir a usina de Angra 3, avalia Camargo.

(Ecodebate, 16/01/2009) publicado pelo IHU On-line, 15/01/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

OPINIÃO Jornalista Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] As questões referentes a formatos de energia, já no centro das discussões quando o tema são mudanças climáticas, também por isso alimentam algumas das mais complexas polêmicas de hoje – principalmente a da energia nuclear. E o combustível mais inflamável dessa polêmica é o mais recente livro de James Lovelock, “pai” da “Teoria Gaia”, que entende o universo como um organismo vivo. Lovelock, que já foi adversário acirrado da energia nuclear, agora pensa (Gaia: Alerta Final, Editora Intrínseca, 2010) que não há tempo para esperar outro formato eficaz de redução nas emissões de poluentes, a não ser a energia nuclear. Considera pequenos os riscos de acidentes na operação (no pior desastre, Chernobyl, morreram 70 pessoas, diz). Quanto à falta de destinação para os perigosos resíduos das usinas, afirma que o lixo nuclear de uma geradora de mil MW “cabe num táxi”, e terá sua radioatividade comparável à do urânio natural em 600 anos. Mas ressalva que não considera a energia nuclear a melhor opção para o Brasil, que tem feito “um bom trabalho com hidrelétricas”; só para países populosos com restrições de espaço.

Seja como for, há uma ofensiva no mundo em favor da energia nuclear. Mas também surgem estudos – até estritamente econômicos – para apontar seus problemas e sua inviabilidade. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, hoje há 53 usinas nucleares em construção no mundo, para gerar 47.223 MW até 2017. Elas se somarão às 436 em operação, com 370.304 MW, que correspondem a 17% da energia total. A elas se devem juntar mais 135 em fase de planejamento (148 mil MW), que elevarão a potência instalada em 50%. China (16 usinas), Grã-Bretanha (10), Rússia (9), Índia e Coreia do Sul (6 cada), Bulgária, Ucrânia, Eslováquia, Japão e Taiwan (2 cada) são os países com maior número de projetos (O Globo, 25/1). Mas nos EUA, com mais uma usina em construção (já tem 104, ou 19% da energia total), o presidente Barack Obama anunciou em fevereiro medidas que estimularão esse setor. Ao todo, US$ 54,5 bilhões para várias usinas – embora haja muitas controvérsias internas, já que não há destinação final para resíduos, que continuam armazenados em “piscinas” nas próprias geradoras (o depósito “final” em implantação sob a Serra Nevada continua embargado pela Justiça). Os Emirados Árabes Unidos tocam seu projeto, assim como a Argentina, a Finlândia, a França, o Irã, a Indonésia. Na Itália, que renunciou à energia nuclear em 1987, o primeiro-ministro Silvio Berlusconi está oferecendo incentivos financeiros a municípios que aceitem novas usinas. O argumento central é o de que a Itália importa 85% da energia que consome.

Por aqui, o presidente da República e a ministra Dilma Rousseff continuam a defender novas usinas, além de Angra 3, que já teve licença prévia do Ministério do Meio Ambiente. Seu argumento principal é de que sem elas teremos problemas de abastecimento de energia, por causa das “dificuldades ambientais” no licenciamento de hidrelétricas. Só não se sabe ainda onde serão e quantas (fala-se de 4 a 8). Mas isso não elimina polêmicas. Ainda por ocasião dos mais recentes deslizamentos de terra e mortes que levaram à interdição da BR-101 perto de Angra dos Reis, o prefeito dessa cidade pediu o fechamento de Angra 1 e 2, argumentando que não haveria como evacuar a população se um deslizamento ameaçasse uma das usinas. Não foi atendido. E num recente programa Roda Viva, na TV Cultura de São Paulo, o professor Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que será o coordenador da política científica brasileira na área do clima, ao comentar números sobre a elevação do nível do mar no litoral fluminense, respondeu que se deveria ter muito cuidado no licenciamento de Angra 3, tendo em vista essa questão e os depósitos de lixo nuclear nas duas usinas já em funcionamento.

Mas a questão da segurança não é a única polêmica. Na Europa, nova discussão está em curso, após a divulgação (IPS/Envolverde, 27/2) de estudo do Citibank, sobre riscos tecnológicos e financeiros dos projetos nucleares. Diz ele – New Nuclear – the economics say no – que esses riscos são tão altos que “podem derrubar financeiramente as maiores empresas de serviços públicos. Uma usina de mil MW, afirma, pode custar US$ 7,6 bilhões e levar 20 anos para dar lucro – impraticável para empresas.

Entre nós, as notícias sobre investimentos no setor de energia ainda não contabilizam futuros projetos na área – a não ser Angra 3. Segundo o BNDES (Estado, 28/2), os novos projetos de geração, transmissão e distribuição de energia no País absorverão 33,6% dos R$ 274 bilhões que serão investidos na infraestrutura em quatro anos. Aí se incluem R$ 20 bilhões para as usinas do Rio Madeira, R$ 8 bilhões para Belo Monte e R$ 8 bilhões para usinas eólicas. Mas a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia afirma (Agência Estado, 28/2) que as tarifas no setor no Brasil só perdem para as da Alemanha; as residenciais são mais altas que as da Noruega (US$ 184 por MWh ante US$ 48), enquanto as industriais aqui chegam a US$ 138 por MWh, ante US$ 68 no Canadá.

Outra polêmica entre nós está no licenciamento e na implantação de usinas termoelétricas muito poluentes, também com o argumento de que é preciso tê-las de reserva, para a hipótese de a oferta de energia não ser ampliada. O BNDES em 2009 financiou R$ 2,6 bilhões para projetos nessa área, mais de metade do total destinado ao setor elétrico, contemplando projetos de 30 mil MW de energia térmica para serem implantados até 2030. (Folha de S.Paulo, 20/12/2009).

E tudo continuará nesse terreno da polêmica enquanto o governo federal não se dispuser a debater com a sociedade nosso modelo de energia. Uma boa oportunidade poderá ser o novo Plano Decenal de Energia, cuja discussão, em princípio, está programada para as próximas semanas.

Washington Novaes é jornalista. E-mail:
wlrnovaes@uol.com.br
Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

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